sexta-feira, 25 de junho de 2010

Epístola aos Colossenses

Introdução

A Epístola aos Colossenses e a Epístola a Filêmon foram escritas no mesmo contexto. As pessoas que estão com Paulo e mandam saudações são as mesmas (Cl 4,10-14; Fm 23). Onésimo, o escravo convertido, pelo qual Paulo intercede na Epístola a Filemon, ainda estava com ele quando foi escrita a Epístola aos Colossenses (Cl 4,9).


I. A comunidade de Colossos

Quando Paulo escreveu aos colossenses, Colossos era uma cidade bem pequena. Estava situada a uns 200 km de Éfeso, na estrada que vai desta cidade para o Oriente.
Colossos tinha como centro importante de artesanato de lã. Tanto aí como nas cidades vizinhas havia uma importante colônia de judeus. Foi quase inteiramente destruída por um terremoto em 61. Não consta que tenha sido reconstruída e nada nos permite pensar que ainda havia uma comunidade aí depois do terremoto. Por isso, ao que parece, a carta foi escrita antes deste.
Paulo nunca esteve pessoalmente em Colossos. Pela epístola consta que o evangelho foi trazido a Colossos por Epafras, que pode ter conhecido Paulo em Éfeso durante os anos nos quais o apóstolo lá viveu (54-57).
Tudo indica que esta comunidade estava formada por ex-pagãos e não por ex-judeus. Todavia, já que havia na cidade uma importante colônia de judeus, os convertidos podiam ter tido contatos com esses judeus antes da evangelização ou entrado em contato depois desta. Pois a epístola parece insinuar que algumas idéias procedentes de grupos judaicos circulavam na comunidade. Epafras, “companheiro de prisão” (Fm 23), deve ter comunidade as suas preocupações a Paulo a respeito da comunidade. E, embora não tenha evangelizado Colossos, Paulo se considera de alguma maneira o apóstolo de todas as comunidades nascidas no mundo pagão e se considera autorizado a intervir.

II. O autor

A antiga tradição nunca teve dúvidas de atribuir a epístola a Paulo. Contudo, na época contemporânea, a aplicação dos métodos de crítica literária levantou dúvidas.
Todos aceitam que, se a epístola não é do próprio Paulo, é de uma pessoa muito ligada a ele, muito conhecedora do seu pensamento e muito fiel à sua inspiração. Pois, as semelhanças entre esta epístola e as epístolas das quais ninguém discute a autenticidade são muito grandes.
O vocabulário é paulino. O fato de que faltam muitas palavras tipicamente paulinas e de que a epístola usa palavras próprias não constitui motivo de surpresa. É uma epístola breve. Dirige-se a um público específico, de origem pagã, muito diferente dos públicos bastante influenciados pelo judaísmo aos quais se referem as outras epístolas. O problema aí tratado também é muito específico e requer um vocabulário próprio. Apesar das diferenças, no seu conjunto o vocabulário é indiscutivelmente paulino.
As doutrinas aí contidas também se acham nas demais epístolas paulinas, embora aqui se achem algumas características próprias. Certas doutrinas típicas de Paulo estão ausentes aqui, como as discussões sobre a lei e o pecado. Outras são marginais nas outras e aqui se tornam importantes. Trata-se de uma diferença de acentuação e de importância. Por quê?
Os autores que defendem que Paulo foi o próprio compositor da carta, explicam a diferença nas doutrinas pela evolução do pensamento do Apóstolo. Paulo teria escrito esta carta em Roma, no seu cativeiro, uns 5 ou 6 anos depois de Rm, Gl 1 e 2Cor. Esse lapso de tempo seria suficiente para explicar um desenvolvimento no seu pensamento. Cl seria uma expressão da teologia de Paulo pelos anos 62-63.
Mas, assim como há grandes semelhanças, também há grandes diferenças com as demais epístolas, que preocupam. A principal diz respeito ao estilo. O estilo típico paulino é marcado pela discussão, é um estilo polêmico, adaptado a uma discussão permanente. Em Colossenses, o estilo é litúrgico-hínico. As frases são muito longas e não acabam nunca, feitas a partir de repetições, como se o autor estivesse hesitando e buscando pacientemente um caminho. Como isso pode acontecer?
Alguns explicam tais diferenças pela intervenção de um secretário. Paulo não escrevia pessoalmente suas cartas. Do seu próprio punho só escrevia as saudações finais ou algumas saudações (Cl 4,18). Podemos imaginar que o apóstolo deixava uma certa liberdade ao secretário na redação das frases. Explicação suficiente?
Estudiosos no assunto acreditam que um secretário não bastaria para explicar as particularidades desta epístola. Se o redator fosse um discípulo de Paulo, escrevendo sob o seu controle, de tal modo que Paulo pudesse assinar a carta, apesar de particularidades procedentes do caráter do discípulo, seria mais fácil entender porque Cl é tão diferente das outras. Podemos imaginar tal discípulo assim escrevendo?
Aqui intervém uma sugestão: por que não seria Timóteo o autor? O texto fala que a carta é de Paulo e de Timóteo (Cl 1,1). Também intervém Timóteo como co-autor em 2Cor, Fl e Fm (citado como autor porque está ao lado de Paulo, mas sem intervir na redação do texto). Mas aqui, como o estilo é diferente, não poderíamos imaginar isso, uma vez que Timóteo estava mais familiarizado que Paulo com o público pagão?
Dessa maneira, poderíamos entender também por que a apresentação da doutrina é diferente das outras epístolas. Aqui a argumentação salienta todos os temas com maior significado para os pagãos e marginaliza ou deixa os temas com maior significado aos judeus. Em todo caso, se Timóteo fosse mais diretamente o redator da carta, o texto não mentiria, já que dá explicitamente Timóteo como co-autor da carta.

III. Lugar e tempo de composição

O texto não menciona onde a carta foi escrita. Somente menciona que Paulo está preso. Pelos Atos, sabemos que Paulo esteve preso por um longo tempo em Cesaréia e em Roma. Mas, em 2Cor 1,8-9, Paulo diz que em Éfeso recebeu sentença de morte, alusão a uma prisão. Assim como a de Filipenses, teria Colossenses sido escrita nesta prisão?
Praticamente os autores guardam duas hipóteses: ou Roma ou Éfeso.
1) Argumentos a favor de Roma: argumento principal é a tradição antiga. Mas tudo indica que esta se funda no texto dos Atos que menciona o cativeiro de Roma e não faz alusão ao de Éfeso; outro argumento é invocado pelos autores que querem que o autor de Cl seja o próprio Paulo: se Cl foi escrita em Éfeso, é contemporânea de Fl, 2Cor e Gl, anterior até a Rm. Ora, a doutrina não é a mesma. Paulo não poderia ter escrito essas outras epístolas e Cl na mesma época (precisamos de um período bastante longo para explicar a evolução do pensamento de Paulo). O cativeiro de Roma (61-63) fornece o prazo necessário. Passaram-se 5 ou 6 anos, tempo no qual Paulo evoluiu no seu pensamento. Mas, se se aceita que um discípulo seu a tenha redigido, o argumento cai.
2) Argumentos a favor de Éfeso: contamos com todos os indícios que combinam dificilmente com a hipótese de Roma. O argumento principal é que os relacionamentos sociais manifestados em Cl se explicam mais facilmente desde Éfeso do que desde Roma. É mais fácil explicar que o escravo fugitivo tenha chego a Éfeso (200 km de Colossos) do que a Roma. E também que Paulo o mande para o seu antigo dono a 200 km de distância do que de Roma a Colossos, o que supõe uma viagem marítima muito demorada. Da mesma forma, é mais fácil compreender que Epafras tenha ido encontrar-se com Paulo em Éfeso do que em Roma. O principal obstáculo da hipótese: a suposta evolução do pensamento de Paulo. Mas, este cai por terra se se aceita que o redator principal não tenha sido Paulo, e sim um discípulo seu.
A época da redação depende do lugar. Se a epístola foi escrita em Éfeso, a data da redação situa-se no fim da permanência de Paulo nesta cidade (56-57). Se foi escrita em Roma, foi entre 61-63.

IV. O motivo da carta

Esta carta é circunstancial. Responde a um problema concreto. Epafras, o evangelizador dos colossenses, veio perguntar a Paulo o que fazer diante de um problema que parecia ultrapassar a sua capacidade.
Qual foi o problema? A comunidade entrou em contato com uma “filosofia” e esta ameaça desestabilizar toda a vida desses novos cristãos, que ficaram desnorteados. Tudo indica que a filosofia foi apresentada por um “alguém” que Paulo não quis nomear, mas que todos os leitores deviam identificar (Cl 2,16).
O que era essa “filosofia”? Naquele tempo, dava-se o nome de filosofia a qualquer doutrina sintética sobre o mundo ou a vida, principalmente às doutrinas religiosas. De fato, as “filosofias” do tempo eram todas ao mesmo tempo doutrinas religiosas e explicações do mundo. Então, qual filosofia Paulo denuncia e condena (2,8)? Nós a conhecemos indiretamente, através das críticas do Apóstolo. Não podemos saber se Paulo tinha elementos suficientes para saber exatamente qual era o conteúdo dessa filosofia. As alusões do autor são muito vagas, mas os leitores da carta sabiam do que Paulo estava falando.
Pelas alusões, podemos apenas reconstituir algumas áreas de reflexão desses filósofos que perturbaram tanto os colossenses:
1) A “filosofia” referia-se principalmente a várias “potências” ou vários tipos de “potências”, que na carta recebem vários nomes. Que são estas? Em primeiro lugar parece que são seres celestiais: pertenciam ao mundo do “céu” tal como o mundo antigo o entendia (mundo que está nas alturas sobre o mundo material da terra e do mar). Em segundo lugar, as potências exercem um certo papel no nosso mundo (a criação material era dirigida por potências celestiais – os antigos pensavam que o mundo material estava completamente povoado e penetrado por forças celestiais). Em terceiro lugar, as potências presidem a sistemas religiosos, ligadas a sistemas de ritos, liturgias, preceitos ou observâncias religiosas. Tal sistema tinha bastante vigência no mundo contemporâneo do cristianismo primitivo, inclusive, bastante penetração no próprio judaísmo.
2) O “conhecimento” parece ter sido o elemento principal do sistema religioso denominado “filosofia”. Esse sistema não tinha um conteúdo ético como o cristianismo. O interesse que suscitam as “potências” está num conhecimento superior (espécie de gnosticismo). O que esta filosofia dava a conhecer? Sem dúvida, revelações sobre as potências. Tratava-se de receber a revelação dos nomes de certas potências, dos seus atributos, dos seus canais de comunicação com elas.
3) Por fim, a “filosofia” incluía também ritos e práticas que encaminhavam para o conhecimento superior. Podiam ser ritos de purificação ou de passagem, constituindo uma iniciação. Podiam ser ritos ou práticas de purificação continuada ou de ascensão espiritual: práticas de abstinência de certas comidas, bebidas; ou celebrações de dias consagrados às potências.
Não sabemos se quem fez essa propaganda era judeu ou pagão ou cristão procedente do judaísmo ou cristão procedente do paganismo. Todas essas hipóteses são possíveis. Não podemos ter a pretensão de resolver a controvérsia. O que parece provável, é que o autor da epístola atribuía a essa filosofia um sentido judaico: dava às realidades propostas aos colossenses nomes judaicos, o que não inclui que esta tenha sido judaica.
Mas, o que importa não é o conteúdo exato dessa filosofia, mas que Paulo a rejeita radicalmente. Porque é uma rejeição total, rejeição do princípio, o autor da epístola não precisava ser muito preciso na descrição.
Epafras ficou preocupado diante da invasão dessa filosofia e conseguiu comunicar isso a Paulo, que reagiu com energia. A carta está escrita com muita delicadeza e prudência. Mas a resposta que contém é firme, radical, decisiva. Não deixa lugar à dúvida nem à controvérsia. Pelas respostas, dá força e segurança à comunidade para defender-se contra a penetração de idéias alheias à mensagem cristã.

V. O fundo do problema

Em jogo estão duas mentalidades religiosas, dois comportamentos do ser humano diante de Deus. A mensagem cristã continua a estrutura fundamental da fé judaica e bíblica. Mas o mundo dos gregos, dos pagãos, tem da religião uma concepção diferente. Na Epístola aos Colossenses assistimos ao confronto entre o mundo bíblico e o mundo grego.
Nas outras epístolas, Paulo enfrenta o mundo judaico na sua resistência à abertura pedida por Jesus. Aqui o adversário é novo. Aqui Paulo descobre o confronto do evangelho com o mundo pagão.
Que confronto é esse?
1) A fé cristã é exclusiva, não pode compartilhar com outra religião ou fé, pois ela é compromisso com Deus e com Jesus, é aliança. Já os habitantes do mundo grego não tinham mais compromissos com religião nenhuma. Como haviam muitas, cada um escolhia a sua, à vontade. Muitos escolhiam muitas;
2) No cristianismo, não foi o homem quem escolheu, foi Deus: uma pessoa é cristã porque foi escolhida por Cristo. Entre os pagãos, cada um escolhe livremente, com os elementos da sua preferência;
3) No cristianismo a fé introduz o crente numa comunidade e por ela, no povo de Deus. A fé não se vive individualmente. Entre os pagãos, existem associações religiosas, com compromissos bem limitados;
4) A fé cristã tem um ponto de apoio bem concreto, uma realidade material do nosso mundo que é Jesus, ser corporal. A fé não nos leva para um mundo de puras idéias ou um mundo puramente celestial. As religiões pagãs eram formas de evasão deste mundo para um diferente, ideal;
5) A fé cristã exige um agir conseqüente, compromisso de fé e também ético; para os pagãos, as experiências deste mundo já não mais interessavam. Não mais buscavam uma transformação moral nem de si e nem do mundo, apenas o acesso ao mundo superior.
Os colossenses eram cristãos novos, não tinham mais do que dois ou três anos de vis cristã. Deixaram as religiões pagãs. Converteram-se, mas por falta de informação ou de experiência, ainda podiam cair nas mãos de sedutores.

VI. A argumentação da epístola

A partir do problema de fundo, entendemos melhor por que Paulo escolheu os argumentos expostos nesta carta. Três são os principais. Ataca a filosofia por três lados:
1) O problema das potências celestiais: afirma ser uma evasão ilusória, conhecer os segredos do mundo dos astros e das potências do céu pela satisfação de conhecer;
2) O problema das práticas religiosas ligadas a essas potências: todas estas procuram apenas a satisfação de uma vã curiosidade;
3) A mudança de vida: a filosofia não muda a vida, mas contenta-se com o puro conhecimento sem mudança na existência.
Para enfrentar os seus adversários por esses três lados, Paulo invoca um só argumento: Cristo. Porque:
• Ele anulou todo o poder das potências, porque é o Senhor de toda a criação – senhorio de Cristo sobre a criação inteira;
• Se Cristo é o dono da criação, todo conhecimento encontra nele a sua fonte – ele é a plenitude do conhecimento;
• Quem é de Cristo, nasceu com ele para uma vida nova, que tem início pelo batismo.

VII. Divisão da epístola

• Endereço e saudação: 1,1-2
• Primeira parte: Introdução (1,3-2,5)
1) Agradecimento e oração (1,3-12)
2) Vocês, colossenses... (1,13-23)
3) Eu, Paulo... (1,24-2,5)
• Segunda parte: Advertência contra os erros (2,6-3,11)
1) Cristo despojou as potências (2,6-15)
2) Contra as práticas das potências (2,16-23)
3) O novo ser humano em Cristo (3,1-11)
• Terceira parte: Recomendações (3,12-4,18)
1) Início das recomendações (3,12-17)
2) Regras para a vida doméstica (3,18-4,1)
3) Continuação das recomendações (4,2-6)
4) Notícias pessoais (4,7-9)
5) Saudações (4,10-18)

Comentário

a) Endereço e saudação (1,1-2)
Os antigos eram mais práticos do que nós, que colocamos o nome do autor no fim da carta. Eles começavam com o nome do autor, que aqui são dois: Paulo e Timóteo. Depois, vêm os destinatários e, por fim, uma saudação.
Em quase todas as epístolas, Paulo invoca o seu título de “Apóstolo”, e quase sempre acrescenta “pela vontade de Deus” ou fórmula equivalente. Isto é uma resposta aos adversários e uma afirmação de autoridade pois, em grego, apóstolo significa “enviado, embaixador”.
Aqui, a menção do nome de Timóteo tem uma particularidade, indicando (conforme a hipótese que adotamos) o nome do redator da carta sob a orientação de Paulo. Para apoiar esta afirmação: Paulo usa freqüentemente a primeira pessoa do singular, apesar de haver, em outras epístolas, vários nomes de co-autores: Dou graças a Deus (1Cor 1,4), Dou graças ao meu Deus (Fl 1,3). Em Cl, Paulo usa o plural: Damos graças a Deus (1,3). Seria indício de uma presença mais ativa de Timóteo?
Aos irmãos em Cristo: aos cristãos.
Santos: os cristãos, por serem batizados no Senhor, que os santifica.
Fiéis: os cristãos, que são crentes.
Graça: pode corresponder à saudação grega. A paz era a saudação dos judeus. No cristianismo, graça e paz assumem um novo valor, são dons de Deus que nos vem por Jesus Cristo.

b) Primeira Parte: Introdução (1,3-2,5)
b.1) Agradecimento e oração (1,3-12)
• Agradecimento: Paulo crê que tudo o que acontece é dom de Deus. E junto com o agradecimento, introduz os temas principais da sua carta.
Aqui, o centro da oração parece estar no v. 5: da tríade fé – caridade – esperança. A esperança são os bens celestiais reservados aos cristãos na vida futura (insistência em não procurá-los hoje em dia, por meio de experiências espirituais). No mesmo versículo, há uma fórmula um tanto pesada, que chama a atenção: a palavra da verdade do evangelho. Os três termos são sinônimos. O sentido é: a palavra que é a verdade que é o evangelho. Volta no v. 6 a palavra verdade. O evangelho é a verdade. Por que buscar outras? Os colossenses já a tem.
v. 3: Paulo sempre dá graças a Deus no início das epístolas.
v. 4: o agradecimento vira elogio, como é freqüente em Paulo, antes de dirigir palavras mais duras.
v. 5: na teologia paulina, a esperança é sempre o fundamento da fé. Se não houvesse a esperança da ressurreição e da vida eterna, a fé seria apenas ilusão (1Cor 15,14). Esperança na vida eterna após a ressurreição. Esta é o centro do evangelho, pois este anuncia a esperança, que os Colossenses receberam. Mas, por que o autor usa quatro palavras para dizer esta comunicação que lhes foi feita (anúncio, palavra, verdade, evangelho)? São palavras sinônimas. O sentido está claro: há uma só palavra de verdade, que é a do evangelho, anúncio da esperança. Então, a verdade se opõe ao erro, à falsa filosofia. Ao introduzir com tanta força o tema da verdade, o autor insinua que vai combater os enganos. E proclama a vitória do evangelho no mundo, pois as pessoas – inclusive os Colossenses – estão conhecendo esta verdade.
A palavra grega para expressar “conhecimento”, aqui expressa por Paulo, significa “super”-conhecimento (palavra que evoca os conhecimentos superiores, profundos, reservados). Usando esta palavra, Paulo denuncia desde já as falsas pretensões das religiões pagãs: estas pretendiam dar conhecimentos superiores, mas os únicos realmente superiores são os conhecimentos de Cristo que os colossenses já receberam pelo evangelho.
E para dizer que Paulo não quer deslocar Epafras da condução da comunidade, tece a ele muitos elogios.
O serviço refere-se ao trabalho da evangelização. Epafras foi digno desta confiança e ainda a merece.

• Oração: a oração tem por objeto tudo o que os colossenses devem procurar. Como sempre, o que se pede a Deus é o que nós mesmos temos que fazer e buscar. Nesta oração, há muitas palavras que significam o conhecimento superior: super-conhecimento, sabedoria, inteligência espiritual (v. 9), conhecimento de Deus (v. 10). Essa abundância de termos referentes ao conhecimento prepara a explicação da doutrina cristã sobre o verdadeiro conhecimento. Em segundo lugar, o autor acrescenta aos bens de conhecimento, os bens éticos ou morais que caracterizam os cristãos: vontade de Deus, digna do Senhor, agrado do Senhor, frutos, boas obras, energia, paciência, constância. Trata-se de deixar bem claro desde o início que para os cristãos o conhecimento não é o valor fundamental e sim o seguimento da vontade de Deus. Depois de terem recebido a doutrina e o batismo, os colossenses não podem ficar parados: inseridos na comunidade, há o movimento para uma perfeição maior, um conhecimento e uma ação superior – é o objeto do superconhecimento cristão.
v. 10: o crescimento do conhecimento é uma caminhada prática que consiste em fazer o que agrada a Deus e produzir frutos.

b.2) Vocês, colossenses... (1,13-23)
Para situar a sua intervenção, Paulo (ou seu discípulo) primeiro lembra qual é a situação da comunidade e qual é a sua situação. Os colossenses são ex-pagãos reconciliados por Cristo e integrados no seu corpo. Paulo é o servidor de todo esse mistério da reconciliação e do corpo de Cristo. Por conseguinte, intervém com autoridade e sabe do que está falando: é a pessoa indicada para tratar do problema dos colossenses.
Paulo aproveita este momento para introduzir o grande argumento na discussão contra as filosofias pagãs: o hino que celebra Jesus Cristo como senhor de toda a criação, particularmente da criação celestial. Este mesmo Cristo, senhor do universo, é também a cabeça da Igreja que reconciliou e integrou em si mesma a comunidade dos colossenses. Da comunidade, Paulo passa a Cristo, chefe da comunidade, e de Cristo chefe da comunidade a Cristo senhor do mundo. Dessa forma, os colossenses recebem a sua identidade total: são os membros daquele que é o chefe e senhor do mundo inteiro. Se é assim, não podem confiar nas potências e nem nas filosofias pagãs.
vv. 13-14: a oração culmina num apelo a serem agradecidos porque receberam a herança dos santos, pelo batismo: a passagem das trevas para a luz, do poder das trevas ao reino de Cristo.
vv. 15-20: o hino cristológico

Temas teológicos:

a cristologia consta de dois ramos: o papel de Cristo na criação e o papel de Cristo na ressurreição, primogênito das criaturas e dos ressuscitados. O primeiro papel Cristo o desempenha desde sempre ao lado do Pai; o segundo, desde a sua morte na cruz e a sua ressurreição. Este texto afirma a preexistência de Cristo: já existia antes da criação, e porque existia desde antes, serviu de modelo à criação toda. Quanto as potências (tronos, senhorias, princípios...), fazem parte da criação e estão subordinadas a Cristo;
Imagem do corpo para designar a Igreja. Salienta-se que a Igreja não é puramente terrestre, já que a sua cabeça é o Cristo ressuscitado: ela já existe como um corpo ligado ao invisível, ao mundo da ressurreição. A imagem: Paulo considera Cristo o novo Adão, modelo a partir do qual se realiza a obra da nova criação.
vv. 21-23: os colossenses agora pertencem a Cristo, pois dEle receberam tudo o que se pode receber. Não há mais nada para se buscar junto às potências. Somente falta viver em acordo com os dons recebidos. Agora, são eles que devem dar (os colossenses), colaborar na obra da criação.
Falando nos bens recebidos, Paulo passa para a esperança. Esta sugere o evangelho do qual é o objeto central. Na seqüência, Paulo lembra aos colossenses todo o caminho já percorrido, para depois fazer a intervenção.

b.3) Eu, Paulo... (1,24-2,5)
Agora Paulo se apresenta, pois eles não o conhecem, nunca o encontraram. O apóstolo é servidor do evangelho. Depois, aproxima-se finalmente do assunto.
• Paulo e a sua missão de apóstolo (1,24-29): Paulo é apóstolo no sentido de evangelizador, aquele que anuncia o evangelho aos povos pagãos que não o conhecem; e àqueles que já o conhecem, deve levar à plenitude da perfeição (1,25.27-28), pois o batismo não faz tudo: falta “completar”, levar à “plenitude”, à “perfeição”.
• A preocupação de Paulo pela comunidade dos colossenses (2,1-5): prepara o tema da carta que será exposto a partir de 2,6. Conclui a longa introdução e desemboca naquilo que é o próprio tema da epístola: a confusão que criam as especulações de pregadores ou de um pregador de religião ilusória. Aos discursos destes – vazios -, Paulo opõe a verdadeira sabedoria, o verdadeiro “super”-conhecimento que há em Cristo porque nele Deus colocou todos os seus planos. Depois vem a advertência.

c) Segunda parte: Advertência contra os erros (2,6-3,11)
c.1) Cristo despojou as potências (2,6-15)
Estamos no assunto da epístola: a advertência contra as filosofias que ameaçam a fé dos colossenses, e provavelmente contra a pessoa que se faz o propagandista desta filosofia no meio deles. O argumento contra esta filosofia é Cristo. Quem tem fé em Cristo, não pode mais buscar outras soluções junto às ciências secretas das filosofias pagãs, pois há incompatibilidade entre Cristo e as potências às quais recorrem as filosofias: Cristo despojou todas as potências. Depois da sua ressurreição, Cristo assumiu a plenitude de todos os poderes de Deus. E os cristãos pertencem totalmente a Ele, pelo batismo, que os passou da morte à vida (participação na ressurreição). Já estão em Cristo, não estão mais disponíveis. Não podem mais escolher. Tudo recebem de Cristo e não podem menosprezar os dons que dEle vêm. E o argumento termina pelo tema dos pecados – Cristo os redimiu; a intervenção das potências e dos seus cultos é supérflua.

c.2) Contra as práticas das potências (2,16-23)
Depois da advertência contra o aspecto teórico da falsa religião proposta aos colossenses, eis aqui uma advertência contra a prática. Uma primeira série de prescrições ou interdições refere-se ao comer e ao beber (jejuns ascéticos em vista de estados místicos futuros). Uma segunda série refere-se às festas ou dias de prescrição.
O texto não nega qualquer valor às práticas. Nas as rejeita para o passado: eram como a sombra das coisas futuras. Sendo a sombra, tinham uma certa legitimidade. Perdem esse valor no dia em que aparece a realidade, o corpo. Ninguém escolhe a sombra, se pode ter o corpo (realidade concreta e material). Cristo e o cristianismo são corpo, realidade concreta e material. As religiões pagãs são sombra: não têm conteúdo concreto e real.
O tom torna-se mais agressivo contra o propagandista: Ninguém. Quer dizer que existe alguém, que está enganando os colossenses, a fim de que não consigam o prêmio da vitória daqueles que seguem a Cristo.
Aí vêm as acusações contra a falsa religião. Trata-se de denúncias de falsas virtudes. O propagandista seduz pelas aparências de mortificação. Parece uma pessoa santa, ascética... que encanta, mas engana. Faz apenas teatro. Não se pode tolerar nenhuma evasão para um mundo fictício, por mais que este seja interessante. A realidade concreta e nada mais do que isso! Quem se deixa levar pelas falsas religiões, vive num mundo sem apoio na realidade. O cristão vive apegado a uma realidade bem concreta: o corpo de Cristo bem organizado, unido, presente entre as comunidades cristãs. As comunidades formam uma só realidade espalhada pelo mundo, unida pela cabeça. Sem o corpo bem concreto da Igreja, não há contato com a cabeça, não há ponto de apoio.
v. 22: tudo aquilo leva à morte, porque são coisas das pessoas e não de Deus.
v. 23: tais cultos deviam ter grande prestígio. Aparentemente eram muito religiosos, rigorosos na ascese. Mas nada disso vinha de Deus. Era caminho inventado, sem fundamento. A epístola chegou aqui ao ponto da maior severidade. A preparação foi longa e lenta, mas no momento da advertência, o golpe é forte: aquele “alguém” que está trabalhando em Colossos fica totalmente desacreditado.
c.3) O novo ser humano em Cristo (3,1-11)
Já não estamos mais nas advertências, mas em recomendações morais válidas às pessoas e às comunidades (poderia estar, esta parte, na terceira parte). Mas, esta perícope vincula-se ainda com a segunda parte pelo binômio morte-ressurreição.
O tema fundamental destas recomendações é o do homem novo. Este torna-se o tema central do evangelho para os pagãos. É o anúncio da humanidade nova incorporada em Cristo e presente nas comunidades que formam a Igreja.
Como caminho para o perfeito conhecimento e a perfeição humana, a falsa filosofia ensina um conjunto de práticas e observâncias sem conteúdo moral real. Nada dessas observâncias muda o ser humano: a vida continua igual. Pelo contrário, o cristianismo oferece uma mudança radical de vida. O caminho para o conhecimento superior e a perfeição é uma mudança de vida. O caminho cristão é ético. O caminho pagão é de pura observância exterior. Depois de rejeitar as ilusões, Paulo apresenta a alternativa válida, que é a mudança de vida por participação na morte e na ressurreição de Jesus.

d) Terceira parte: Recomendações (3,12-4,18)
d.1) Início das recomendações (3,12-17)
No fim de cada epístola, Paulo acrescenta recomendações gerais para a vida da comunidade. São conselhos que valem para todas as comunidades, válidos para todos os tempos.
Aqui, estas são longas. São exigências à vida comunitária.

d.2) Regras para a vida doméstica (3,18-4,1)
De repente o autor interrompe as recomendações habituais para introduzir certas regras relativas à vida doméstica, ou melhor, às relações humanas dentro da vida doméstica: homem, mulher, pais, filhos, senhores, escravos. Estas não se acham nas epístolas tradicionais (Rm, 1 e 2Cor, Gl, Fl1 e 2Ts, Fm). Acham-se em Ef, 1Tm, Tt e na 1Pd. Por que? Paulo acha necessário acrescentar as regras de vida doméstica que procedem da tradição de Israel e que os cristãos assumiram, aos povos provenientes do paganismo.

d.3) Continuação das recomendações (4,2-6)
Estas recomendações têm por objeto a oração e a sabedoria no trato com os pagãos. Aqui aparece pela primeira vez claramente que Paulo está preso. Mas nada determina o lugar da sua prisão.
v. 2: perseverança na oração. Depois do entusiasmo da conversão, o problema já é perseverança.
v. 3: Paulo está prisioneiro, o que limita o seu poder de falar. Pede orações para que Deus lhe permita evangelizar (“falar do mistério – o desígnio de Deus - de Cristo”) de novo.

d.4) Notícias pessoais (4,7-9)
Não se sabe qual é o ministério de Tíquico, que recebe elogios de Paulo. Trabalhou com Paulo, acompanhou-se diversas vezes: em At e 2Tm, Tíquico está em conexão com Éfeso.
Onésimo é certamente o escravo fugitivo da Epístola a Filêmon, que acompanha Tíquico.

d.5) Saudações (4,10-18)
v. 10: Provavelmente, Aristarco é o tessalonicense mencionado em At 20,4, que estava com Paulo em Éfeso, e o acompanhou em algumas viagens. Também está preso com Paulo. Sobre Marcos, o texto diz que os colossenses já receberam instruções, não se sabe de quem.
v. 11: Jesus tomou o nome de Justus, nome latino.
v. 12: Epafras foi muito elogiado no decorrer da epístola. Aqui também Paulo não poupa elogios.
v. 17: Arquipo pode ser o chefe da igreja na ausência de Epafras. Daí a posição de destaque que recebe neste versículo final.
v. 18: a saudação final é da mão de Paulo. O resto é ditado a um secretário. Existia na Antigüidade o costume de ditar cartas e de acrescentar algumas palavras do próprio punho para dar mais autenticidade à carta. Seria o equivalente da nossa assinatura.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

COMBLIN, José. Epístola aos Colossenses e epístola a Filemon. Petrópolis : Vozes/Editora Sinodal, 1986.

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